quarta-feira, 30 de agosto de 2017

POMPÉIA - SEXO, EROTISMO E PROSTITUIÇÃO

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A história de Pompeia é um dos dramas mais fascinantes  de todos os tempos. Esta luxuosa cidade era uma próspera colônia romana aos pés do Vesúvio.
A grande tragédia aconteceu numa manhã de agosto de 79, quando houve uma grande explosão que partiu a montanha em dois pedaços. Imediatamente uma nuvem negra carregada de húmus e pedaços de pedras acesas subiu aos céus projetando-se para todos os lados. Pássaros começaram cair mortos sobre as ruas de Pompeia. 
Dos 20 mil pompeianos, cerca de 2 mil abrigaram-se em suas casas acreditando que ali estariam a salvo. Os vapores e as cinzas lhes causaram a morte, muitas lentas e angustiantes.
Dois dias mais tarde o sol voltou a brilhar, mas Pompéia já não mais existia. 
A cidade não voltou a ver a luz do sol até o século XVIII, quando, por acaso, arqueólogos pesquisadores descobriram esta cidade captada em um momento de sua vida diária. Com ela Roma nos dá, através de majestosas ruínas, uma pintura de suas  instituições cívicas, pois Pompéia nos permite chegar à intimidade dos cidadãos do império. As cinzas vulcânicas sepultaram os cidadãos na posição em que estavam naquele momento. As cinzas solidificadas formaram moldes perfeitos dos homens e mulheres que viveram cerca de 1.900 anos. 
Em nenhum lugar do mundo existe uma constância como esta das trivialidades da vida dos moradores.
Aqui pode-se, hoje, contemplar o Templo de Apolo que ficou sepultado por tantos séculos.
Pompéia era uma cidade provinciana, mas muito rica, e pode-se apreciar a graça e elegância de seus edifícios com belíssimas pinturas afrescos em suas paredes; isso nos dá a exata condição de vida e costumes da época.

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POMPÉIA - SEXO, EROTISMO E PROSTITUIÇÃO
                 Pompéia (Pompei em italiano) é a famosa cidade da região de Campânia, província de Nápoles, Itália. Pertencente ao Império Romano, foi totalmente sepultada pelas pesadas cinzas vulcânicas do Vesúvio em 24 de agosto de 79 d.C.   Ficou soterrada e desconhecida por mais de 1600 anos, quando foi encontrada por acaso. Desde então tornou-se sítio arqueológico que atrai milhares de turistas todos os anos. 
                 As escavações revelaram, em detalhes, a forma de vida e costumes dos habitantes do tempo da Roma antiga. 
                 Pompéia sempre foi cercada de mistérios e proibida para historiadores de arte. As obras artísticas ali descobertas são um verdadeiro testemunho sobra a vida erótica de seus habitantes. 
                 O Museu Nacional de Arqueologia de Nápoles guarda surpreendentes obras eróticas, capares de fazer corar até os menos puritanos de nossos dia. 
                 De acordo com antigos manuscritos e descobertas arqueológicas, orgias, prostituição, homossexualidade, sexo com animais e lesbianismo eram praticados com toda a naturalidade. Vênus, a deusa do amor do Olimpo, teria sido escolhida como protetora de Pompéia. Seu templo foi erigido na parte mais linda da cidade, com uma deslumbrante visão para a Porta Marina. Infelizmente foi destruído por um terremoto no ano de 63 d.C., portanto, antes do soterramento pelo Vesúvio. 
                 Diferentemente da concepção atual, a deusa Vênus não era considerada uma divindade que distribuía apenas amor e encantamento, mas também amargura e desesperança. 
                 Vênus era a rainha suprema de Pompéia. Os padrões morais da cidade eram colocados em nível secundário aos prazeres mundanos, independentemente do seu grau de imoralidade. Um fato interessante revelado foi que à Vênus daqueles dias era atribuído o dom de ser a originadora de todas as obscenidades. 
                 Na época de Pompéia, a filosofia do Império Romano era completamente oposta àquela que surgiria com o crescimento do cristianismo. A filosofia era orientada no sentido de que para se  chegar ao paraíso apos a morte, o homem deveria desfrutar ao máximo os prazeres da vida. Foi nesse período que os imperadores romanos promoviam grandes banquetes, onde o exagero era levado ao extremo. Os participantes se enchiam de comida e vinho até chegarem ao ponto de perderem completamente os sentidos. As orgias sexuais eram parte integrante dos festejos. 
                 Um dos endereços mais conhecidos e cobiçados de Pompéia era a Casa dos Vettii. Os proprietários Aulus Vettius Restitutos e Aulus Vettius Conviva, eram ricos mercadores que sempre desfrutavam noites de prazer com lindas mulheres. O prazer sexual tornara-se um fator tão importante na vida desses abastados mercadores que, no salão principal, eles exibiam um quadro obsceno de Priapus, o deus da fertilidade. O quadro mostra Priapus colocando seu enorme pênis em um dos pratos de uma balança, enquanto no outro prato vê-se um saco de ouro como contrapeso. Acredita-se que a imagem simbolizava a filosofia dos ricos proprietários. Talvez com isso quisessem dizer: o dinheiro só tem valor se proporcionar igual quantidade de sexo prazeroso. 
                 A casa dos Vettii era totalmente decorada com obras e afrescos eróticos. Nos diversos aposentos haviam pinturas com casais fazendo amor em diversas posições. De acordo com a tradição, enquanto estivesse em determinado aposento, o casal deveria praticar o ato sexual mostrado no mural. 
                 Outro endereço de grandes prazeres era a casa dos irmãos Verus. Ali existia um ambiente apropriado para orgias após o jantar. Toda a área da sala de jantar era decorada com grande variedade de cenas pornográficas. Numa das paredes os arqueólogos encontraram escrito: "Meu filho sensual, quantas mulheres lhe proporcionaram prazer!"
                  Também Stabito, o jovem sábio de Pompéia, deixou sua mensagem: "Restituto diz: Restituta tira sua túnica. Imploro que você me deixe ter a visão de sua vagina peluda."
                  Outra inscrição, encontrada em 1822 por Raffaele Amicone, mostra um desenho com duas figuras fazendo sexo e as palavras "Lente impelle" (entre devagar) gravadas acima do desenho. 
                 Na casa dos Gladiadores, na Via di Nova, pode-se ver que estes também gostavam de exibir e vangloriar-se dos seus dotes físicos.  Numa das colunas pode-se ler: "No dia 21 de setembro do ano em que Marco Massella e Lúcia Lentudo fizeram amor, Epafra Acuto trouxe a este lugar uma mulher chamada Tiche. Para qualquer um o preço era 5 moedas."
                 Entre os cinco corpos encontrados nas escavações da Casa dos Gladiadores, havia o de uma mulher adornada com muitas jóias de ouro e pedras preciosas. Os historiadores acreditam que tratava-se de uma prostituta de luxo que costumava passar os fins de semana praticando sexo grupal com os homens de sua preferência. 
                 Diferentemente da sociedade moderna, em Pompéia e outras cidades romanas a prostituição era considerada uma profissão normal e respeitosa. As prostitutas gozavam de bom acolhimento junto à todas as classes sociais. O sexo era visto simplesmente como uma forma de prazer. As profissionais do sexo tinham livre acesso a todos os níveis da vida social e política. Elas não apenas ofereciam seus serviços à ralé, como também tomavam parte nos divertimentos públicos do próprio imperador. Os preconceitos surgiram com o crescimento da religiosidade, principalmente do cristianismo nascente. 
                Em Pompéia a prostituição era tão popular e natural que no piso das ruas haviam sinais indicando os locais para que os clientes encontrassem facilmente as casas de prazer sexual.  Os sinais eram parte do piso de pedra, onde foram esculpidos duas polas ovais e um pênis ereto mostrando a direção. 
                A Casa de Lupanar (prostituição) ficava na rua do mesmo nome e era o maior estabelecimento dedicado ao principal negócio da cidade. Era o local de trabalho de famosas prostitutas de Pompéia. O cliente interessado devia simplesmente seguir os sinais e, ao chegar à casa, entrar pela porta principal que levava a um corredor com diversos quartos em ambos os lados. Acima do arco de cada porta havia a pintura de uma cena erótica mostrando a especialidade da mulher que ocupava aquele aposento. Dessa forma, se o cliente estivesse procurando sexo oral, por exemplo, era só bater na porta com essa ilustração. 
               A prostituição em Pompéia chegou a tal requinte que as profissionais tinham plano de crédito para seus clientes. Mesmo não tendo disponibilidade financeira, o cliente podia praticar o sexo preferido e pagar posteriormente. O sistema era simples: o cliente deveria escrever seu nome na parede do quarto da prostituta para quem devesse dinheiro. Sob o nome, a prostituta controlava os valores como se fosse uma conta corrente. Os clientes que ficavam devendo, muitas vezes bêbados, voltavam logo para saldar a dívida e retirar seu nome, pois dever dinheiro naquela época era muito humilhante. 
               Além das casas de prostituição haviam os sistemas de banhos públicos que eram os locais preferidos de muitas profissionais. Também o anfiteatro, o fórum, as tavernas e até mesmo os cemitérios eram locais tradicionais de prazeres. As prostitutas dos cemitérios eram as da mais baixa categoria da classe. Segundo a crença geral, eram portadoras de doenças venéreas e por isso evitadas; mas os baixos preços cobrados garantia-lhes permanente trabalho. 
              As prostitutas de taverna tinham seus quartos no local para onde, depois de alguns goles de bebida, levavam seus clientes. 
               Os nomes artísticos das prostitutas eram escolhidos de acordo com a especialidade de cada uma. O nome Panta (em grego quer dizer tudo) era muito comum em toda a cidade. Outros nomes muito usados eram: Euplia laxa (espaçosa), Fortunata Landicosa, (equipada com grande clitóris), Kallitrema, (com um lindo grelo) e Edone (prazer). 
              O hábito de sexo anal foi trazido para Pompéia pelos gregos da cidade vizinha de Cumae e acabou alcançando grande popularidade entre os homens e mulheres. Era muito utilizado como método anticoncepcional.  Conta-se que antes que um homem pudesse praticar este prazer com a mulher escolhida, deveria experimentá-lo em si mesmo. Esta ideia é enfatizada por inscrições encontradas em uma parede nas proximidades de Stabia. Diz a inscrição: "Se um homem que tenha tido a sorte de nascer bonito não oferecer suas nádegas para o prazer de outros, ele, ao fazer amor com uma mulher bonita, nunca terá a alegria de satisfazê-la." A partir dessa ideia, o homossexualismo popularizou-se entre os rapazes de Pompéia. Foi a partir dessa época que Pan, o deus metade homem  e metade bode, passou a ser mostrado com um pênis ereto tentando induzir os rapazes à sodomia ou, eventualmente, à homossexualidade. Pan surgiu como uma forma de amenizar a bestialidade praticada na antiguidade, pois muitos artistas não podiam conceber que um ser humano fosse tão pervertido a ponto de desejar sexualmente uma cabra. Foi assim que a fantasia criou o sátiro, metade homem, metade bode. 
              Enquanto os homens de Pompéia davam suas escapadas extracurriculares, em casa as suas mulheres satisfaziam seus desejos com suas amigas mais íntimas. As escavações de Pompéia revelaram inúmeros órgãos masculinos de vários tamanhos e fabricados com os mais diversos materiais. A história conta que estes objetos eram utilizados para dar sorte à dona da casa, entretanto, nada prova que elas não tenham encontrado outras utilidades para com eles alcançar o prazer que seus maridos lhes negavam. Os historiadores dão o nome de phalus para esses objetos, mas nós, menos eruditos, podemos compará-los aos modernos vibradores de nossos dias. 
                Outra curiosidade muito interessante de Pompéia era a iniciação das jovens donzelas. Começava com a leitura do ritual pela jovem, enquanto isso sua mãe ficava sentada ouvindo tudo. Após a leitura, uma sacerdotisa assumia a direção do sacrifício, preparando a garota para a visão do casamento de Dionísio e Ariana. Nesse momento entra em cena um ministro dotado de asas e, ao som de uma suave música, começa açoitar a iniciante. Ao mesmo tempo a sacerdotisa revelava, pela primeira vez, o pênis sacrificial.  Enquanto era açoitada, a garota era deflorada e levada ao clímax pelo pênis, considerado objeto sagrado.   A dor do açoite fora superada e substituída pelo prazer do orgasmo.  O rito de iniciação estava completo e a ex-donzela havia experimentado o terror que toda a moça pura sentia quando sua virgindade era sacrificada. 
                 As escavações de Pompéia revelaram as mais diversas formas de prazer sexual. Foram encontradas cerâmicas e ânforas com ilustrações de mulheres praticando sexo com animais como cães e cavalos. Um dos melhores exemplares foi encontrado na Basílica, e mostra uma mulher nua reclinada em companhia de um pônei. O pônei movimenta-se entre as pernas abertas da mulher enquanto ela o abraça de forma apertada contra si.  O pênis foi pintado com exagero e, ereto, parecendo ter um terso do comprimento do animal.  As cerâmicas encontradas nos mostram que também os homens dedicavam-se às atividades bestiais, preferindo carneiros e cabras. Na maioria das cerâmicas com tais pinturas são mostrados homens montanheses, lenhadores e pastores que viviam em regiões inóspitas. Em vez de buscarem o prazer na masturbação eles preferiam uma parceira escolhida no rebanho. 
                Pompéia é hoje uma das maiores atrações turísticas do sul da Itália e rende bilhões em divisas para o governo. Entretanto, muitas obras descobertas nas escavações são mantidas a sete chaves pelo governo italiano. Uma forma de manter em segredo e mistério a verdadeira cultura da antiga cidade, onde tudo girava em torno da sexualidade. 
                Esperamos que, com a maturidade da moral e com a revisão das antigas regulamentações, as "stanze proibite" sejam abertas e mostradas ao público. Por outro lado, acredito que o governo tem grande interesse em manter tudo com algo misterioso para aumentar o interesse de turistas curiosos. 
                Pompéia que, como Sodoma e Gomorra, teve seu destino tragicamente interrompido, é um testemunho ímpar da verdade sobre a vida e hábitos sexuais de um povo que foi mantido soterrado e preservado por tantos séculos. 
Nicéas Romeo Zanchett 
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A DESTRUIÇÃO DE POMPEIA
Por Bulwer Lyttom
(De Os últimos dias de Pompéia)
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                  A terrível noite que precedeu a feroz alegria do anfiteatro, escoou-se tristemente até romper a manhã cinzenta do último dia de Pompéia. A atmosfera estava excepcionalmente calma e abafada; uma neblina leve e triste acumulara-se nos vales e depressões dos vastos campos de Campânia. 
                  Era costume assistir às cerimônias do anfiteatro em trajes festivos, e Arbaces vestiu-se esse dia com excepcional cuidado. A sua túnica era da mais deslumbrante brancura, as suas inúmeras fíbulas eram formadas pelas mais preciosas pedrarias, por cima da sua túnica caia uma larga vestimenta oriental, semi-manto, semi-toga, brilhando com as mais ricas cores dos tintureiros de Tyro;  as suas sandálias, que chegavam ao meio da perna, eram recamadas de pedras preciosas e embutidas de ouro. Arbaces  nunca descuidava nas grandes ocasiões as artes que ofuscam e impressionam o vulgo, e naquele dia, que devia para sempre libertá-lo, pelo sacrifício de Glauco, do receio de um rival e da probabilidade de ser descoberto, sentia que se estava vestindo como para um triunfo ou uma festa nupcial. 
                  Glauco e Olinto tinham sido colocados juntos na triste e estreita cela em que os criminosos da arena aguardavam a sua última e terrível luta. Os seus olhos, afinal acostumados à escuridão, escrutavam a face um do outro naquela horrível hora, e a foca luz, a palidez que tirara as cores às faces, dava-lhes um aspecto ainda mais cinéreo e espectral.  Contudo, conservavam frontes erguidas e sem temor, os membros não lhes tremiam, e os seus lábios estavam comprimidos e rígidos. A religião dum, o orgulho do outro, a consciência da inocência em ambos, e talvez a consolação derivada da sua mútua companhia,  transformavam as vítimas em heróis. 
                 - Ouviste este grito? Estão a rugir pelo sangue humano, disse Olintho. 
                 - Bem o ouço! O coração desfalece-me, mas os deuses me ampararão. 
                 - Os deuses! Insensato rapaz. Nesta hora reconhece o Deus único. Não te ensinei, não chorei por ti, não rezei por ti? No meu zelo e na minha ânsia não tenho cuidado mais da tua do que da minha própria situação? 
                 - Meu bravo amigo! - respondeu Glauco solenemente - Ouvi-te respeitosamente e com uma secreta tendência para me deixar convencer. Se as nossas vidas tivessem sido poupadas, eu podia gradualmente ter-me separado dos princípios da minha fé, inclinando-me para a tua; mas nesta última hora, seria covarde e baixo ceder a um terror precipitado, o que só deveria ser o resultado de prolongada meditação. Se eu abraçasse a tua fé, e abandonasse os deuses de meus pais, parecia que me deixava seduzir pela promessa do céu ou atemorizar pelo receio do inferno. Não Olintho. Tratemo-nos com igual sinceridade: tu lamentando a minha cegueira e eu a minha pertinaz coragem, e admirando a tua sinceridade.  A minha recompensa será que merecem os meus atos; e o Poder ou Poderes do alto não julgarão com severidade o erro humano quando nascido da honestidade de propósito e sinceridade de coração. Não falemos pois mais nesse assunto. Silêncio: não ouves arrastar ali um corpo pesado pela passagem?  Como aquele barro será o nosso em breve! 
                 - OH céus, oh Cristo! Eu já vos contemplo, exclamou o fervente Olintho, levantando as mãos para os céus. Não tremo, regozijo-me porque esta prisão será em breve despedaçada.
                 Glauco curvou a cabeça silenciosamente. Compreendia a diferença entre a sua fortaleza e a do seu companheiro de sofrimento. O pagão não tremia, mas o cristão exultava. 
                  A porta abriu-se guinchando, o brilho das lanças relampejou no corredor. 
                  - Glauco, ateniense, é chegada a tua hora, - disse uma voz forte e clara - o leão espera-te. 
                  - Estou pronto, disse o ateniense. Irmão e companheiro, um último abraço! Abençoa-me e adeus.  
                 O cristão abriu os braços, apertou o jovem pagão contra o peito, e beijou-o na testa e  nas faces, soluçou alto, as lágrimas correram rápidas e quentes sobre o rosto do seu recente amigo. 
                 - Ah se eu te tivesse convertido, não choraria. Ah se eu te pudesse dizer: cearemos nesta tarde no paraíso!
                 - Ainda pode vir a suceder, disse o grego com voz trêmula. Aqueles que a morte separa agora podem ainda encontrar-se além da campa. Bela,amada terra, adeus para sempre! Digno oficial, estou às tuas ordens. 
                 Glauco arrancou-se ao amigo e quando chegou cá fora o ar livre, que embora sem sol estava quente e seco, teve um efeito deprimente sobre ele. O seu corpo, ainda não de todo refeito, encolhei-se e tremeu. Os oficiais sustentaram-no. 
                 Coragem, disse um; tu és novo, ágil, robusto, e dão-te uma arma; não desesperes que ainda podes ser vencedor. 
                 Glauco não respondeu, mas, envergonhado da sua enfermidade, fez um esforço desesperado e convulsivo, e voltou-lhe a firmeza dos seus nervos. Untaram-lhe o corpo, completamente nu, salvo uma cintura em torno dos quadris, colocaram-lhe o estilete (arma vã!) na mão, e levaram-no para a arena. 
                 Quando o grego viu milhares e milhares de olhos fixos  nele, não sentiu mais que era mortal. Todos os sintomas do medo, todo o medo mesmo tinha desparecido. O rubor da altivez acudiu-lhe as faces, ergueu-se em toda a sua altura. Na elástica beleza dos seus membros e formas, na sua atenta, mas serena testa, no altivo desdém de indomável espírito que se revelava visivelmente, na sua atitude, na sua boca, no seu olhar, parecia a verdadeira encarnação, vívida e material, do valor da sua terra, das divindades da sua adoração, a um tempo herói e deus. 
                O murmúrio de cólera e horror do crime que saudara a sua entrada, caiu num silêncio de involuntária admiração e quase respeitosa compaixão; e com um rápido e convulsivo suspiro,  que parecia animar toda a massa humana como se fosse um só corpo, o olhar dos espectadores passou do ateniense para um objeto preto e estranho que se achava no centro da arena. Era o antro cercado de grades, onde estava o leão. 
                 Por Vênus, que está fazendo calor, disse Flávia, apesar de não haver sol. Tomara que esses estúpidos marinheiros tenham fechado aquela abertura no toldo!
                 - Na verdade, está fazendo um calor sufocante. Desfaleço, disse a mulher de Pansa, pois mesmo o seu provecto estoicismo cedia à emoção que provocava a luta eminente a realizar-se.
                O leão tinha ficado sem comida nas últimas vinte e quatro horas, e o animal durante toda a manhã mostrara um singular mau estar, que seu guarda atribuía à fome. Entretanto, o seu aspecto exterior fora mais o do receio que o da raiva; seus uivos tinham sido dolorosos e lamentáveis, e deixara pender a cabeça, aspirava o ar através das grades, deitava-se, recomeçava, e de novo rugia os seus gritos selvagens que chegavam até ao longe. Agora, porém, na sua jaula estava completamente surdo e mudo, com o focinho estendido, apoiado fortemente contra a grade e pondo em movimento a areia da arena com o seu hálito. 
                O diretor da arena tremia e empalidecia, olhava ansiosamente em volta, hesitava, demorava, a multidão tornava-se impaciente. Lentamente deu o sinal; o guarda que estava por trás da jaula com todas as precauções retirou a grade e o leão saltou para a arena com um poderoso e alegre rugido de alívio. O guarda retirou rapidamente pela passagem cercada de grades que dava saída da arena, e deixou o senhora da floresta em presença de sua presa. 
                Glauco tinha curvado as pernas de modo a ficar na posição mais firma possível para resistir ao esperado ataque do leão, com a sua pequena e brilhante arma na mão levantada, na incerta esperança de que um golpe que mais bem sabia que não conseguiria dar, bem dirigido poderia penetrar, perfurando um dos olhos até ao cérebro do seu terrível inimigo. 
                 Mas com o maior espanto de todos, o animal parecia nem sequer dar pela presença do criminoso. 
                 No primeiro momento de liberdade parou repentinamente no meio da arena, levantou a juba aspirando o ar com impacientes bocejos e de repente saltou para a frente, mas não contra o ateniense, pôs-se a andar em volta da arena, voltando a cabeça à direita e à esquerda, com um olhar turvo e ansioso, como procurando uma saída; uma ou duas vezes tentou trepar o parapeito que o separava dos espectadores e ao cair soltou um uivo um tanto diferente do seu rugir natural. Em uma palavra, o animal não dava sinais de cólera nem de fome, a cauda caia-lhe arrastando pela arena em lugar de fustigar-lhe os flancos, e o seu olhar, embora se dirigisse de vez em quando para Glauco, desviava-se de novo negligentemente para o outro lado.Afinal, como cansado de procurar uma saída foi meter-se com um lamento na jaula e mais uma vez se estendeu no chão, cansado. 
                  A primeira surpresa dos espectadores ela apatia do leão, depressa se transformou em ressentimento pela sua covardia, e a população já afogava sua compaixão pela sorte de Glauco na raiva do seu desapontamento. 
                 O empresário chamou o guarda: 
                 - Como se explica isto? Pegue no agulhão e pique o leão até sair da jaula, e feche-lhe depois a porta.
                 No momento em que o guarda, com algum medo e maior espanto, se preparava para obedecer, ouviram-se gritos em uma das entradas da arena, produziu-se uma grande confusão, houvem quem protestasse, mas fez-se silêncio de repente. Todos os olhos se tinham voltado com surpresa para o lado donde viera a desordem, a multidão afastava-se e de repente Salústio apareceu nos bancos senatoriais, com o cabelo desalinhado, respirando a custo, afogueado, quase exausto. Lançou os olhos à arena e disse: 
                 - Retirem o ateniense, depressa,  está inocente! Prendam Arbaces, o egípcio. É ele o assassino de Apecides! 
                 - Estás doido, Salústio! exclamou o pretor, levantando-se do seu lugar. Que quer tudo isto dizer? 
                 - Manda retirar o ateniense, depressa, ou o sangue do inocente recairá sobre a tua cabeça.  Pretor, se demoras, a tua vida responderá por isso perante o imperador. Trago comigo a testemunha ocular da morte do sacerdote Apecides. Deixem passar, vão para trás. Povo de Pompéia, olha para Arbaces, ele ali está.  Deixem passar o sacerdote Caleno! 
                 Pálido, macilento, apenas saído das garras da fome, com a cara puxada, os olhos embaciados com os do abutre e o corpo descarnado como um esqueleto, Caleno, sustentado por duas pessoas, veio sentar-se na própria fila em que se achava Albaces. Os que tinham ido em seu socorro tinham-lhe dado comida, mas o principal sustento que o tinha em pé era a vingança. 
                 - O sacerdote Caleno! Caleno! exclamou a multidão.  Será ele? Não; é um cadáver.
                 - É o sacerdote Caleno, disse o pretor gravemente. Que tens tu a dizer? 
                 - Arbaces do Egito é o assassino de Apecides, o sacerdote de Ísis; estes olhos viram-no desfechar o golpe. Os deuses tiraram-me do cárcere em que ele me encarcerara, da escuridão e horror da morte pela fome, para proclamar o seu crime! Soltem o ateniense, que ele está inocente! 
                 - Foi por isso que o leão o poupou; milagre! milagre! exclamou Pansa. 
                 - Milagre! milagre! gritou o povo. Tirem o ateniense, Arbaces ao leão! 
                 E este grito ecoou por montanhas e vales, por encostas e praias. Arbaces ao leão!
                 - Oficiais, retirem o acusado Glauco da arena; retirem-no, mas guardem-no ainda, disse o pretor. Os deuses prodigalizam as suas maravilhas neste dia. 
                Assim que o pretor deu a ordem de retirar o Glauco da arena, houve um grito de alegria; uma voz de mulher, uma voz de criança, uma voz de felicidade que passou pelo coração dos assistentes com a força duma comoção elétrica. Era enternecedora, era santa aquela voz de criança, e na população ecoou com simpáticas congratulações.
                 - Silêncio, disse o grave pretor, quem é? 
                 - É a cega Nídia, respondeu Salústio, foi a sua mão que tirou Caleno do túmulo e salvou Glauco do leão. 
                 - Isso é para depois, disse o pretor. Caleno, sacerdote de Ísis, tu acusas Arbaces do assassinato de Apecides? 
                 - Acuso! 
                 - Tu viste-o cometer o crime? 
                 - Pretor, com estes olhos...
                 - Basta por agora, os pormenores tem que ficar reservados para ocasião e lugar mais próprios. Arbaces dos Egito, ouviste a acusação contra ti? Ainda não falaste, que tens a dizer? 
                 Os olhos da multidão, à princípio tinham-se fixado em Arbaces, mas a que ele tinha mostrado quando Salústio lhe fizera as primeiras acusações e Caleno entrou, pouco a pouco diminuiu. Ao grito "Arbaces ao leão" ele tremera e o bronze escuro da sua face tinha-se tornado pálido. Mas não tardou a recuperar a sua altivez e ficar de novo senhor de si. Sustentou assim os inúmeros olhares enfurecidos da multidão em torno dele; e respondendo agora à pergunta do pretor, disse com aquele tom tão particularmente tranquilo e imponente que o caracterizava; 
                  - Pretor, essa acusação é tão insensata que quase não merece resposta. O meu primeiro acusador é o nobre Salústio, o amigo mais íntimo de Glauco; o segundo é um sacerdote.  Eu faço reverência aos seus hábitos  e ao seu ministério, mas, o povo de Pompeia, vós todos conheceis o caráter de Caleno, a sua sordidez e sede de ouro são proverbais; o testemunho de um homem destes pode ser facilmente comprado. Pretor, eu estou inocente!
                  - Salústio, perguntou o magistrado, onde encontraste Caleno? 
                  - Nos cárceres de Arbaces. 
                  - Egípcio, disse o pretor com severidade, tu ousaste prender um sacerdote dos deuses e portanto... 
                  - Ouviu-me, respondeu Arbaces levantando-se com um gesto calmo, apesar da agitação que se lhe lia na cara. Este homem veio ameaçar-me de que me ia acusar agora se eu não comprasse o seu silêncio com metade da minha fortuna. Em vão procurei dissuadi-lo. Perdão, não permitas que o sacerdote me interrompa. Nobre pretor, e vós ó povo, ouvi-me. Eu sou estrangeiro nesta terra, eu sabia que era inocente do crime, mas o testemunho de um sacerdote contra mim podia perder-me na minha perplexidade, e atraí-o para a cela de onde acabam de tirar, sob o pretexto que era ali que estava o meu cofre de ouro. Resolvera retê-lo ali até que a sorte do verdadeiro criminoso estivesse decidida e as suas ameaças não pudessem mais ter efeito; mas não tinha nenhuma intenção maldosa. Posso ter errado, mas quem entre vós não reconhecerá que é natural o desejo da preservação própria? Se era eu o culpado, por que  não falou este sacerdote quando a causa estava sendo examinada pelo tribunal? Então não tinha eu detido ou escondido. Porque não proclamou ele a minha culpabilidade quando eu proclamei a de Glauco?  Pretor, esta pergunta precisa de uma resposta. Quanto ao mais, entrego-me à justiça das vossas leis. Peço  a sua proteção. Levem para o tribunal o acusado e o acusador. Eu estou pronto a conformar-me com a decisão do tribunal legítimo. Aqui não é lugar para mais conversações. 
                   - Tem razão, disse o pretor. Guardas, levem Arbaces, guardem Caleno. Salústio, fazemos-te responsável pela tua acusação. Agora os jogos vão continuar. 
                   - O que? disse caleno, voltando-se para o povo. Será então Ísis assim escarnecida? continuará o sangue de Apecides a pedir vingança? Será demorada agora a justiça para ser frustrada mais tarde? Ficará o leão privado da sua presa legítima? Oh Deus! oh Deus! Sinto Deus dizer pelos meus lábios: ao leão, Arbaces ao leão!
                 A sua exausta estrutura física não pode suportar por mais tempo a sua fúria, e caiu no chão em convulso paroxismo; a escuma saía-lhe dos lábios, parecia na verdade um homem possuído de um poder sobrenatural. O povo viu e tremeu. 
                 A este grito, milhares e milhares de pessoas avançaram em direção ao egípcio. O edil multiplicou ordens, o pretor levantou a voz e proclamou a lei; tudo em vão. O povo tornara-se já selvagem pela exibição de sangue, queria mais, a sua superstição era ajudada pela sua ferocidade. Excitados, inflamados pelo espetáculo das suas vítimas, esqueceram a autoridade dos seus magistrados. Era uma dessas terríveis convulsões populares, comuns às multidões completamente ignorantes, semi-servas e semi-livres, que a composição peculiar das províncias romanas tantas vezes produzia. O poder do pretor vergara com um junco ao sopro do vendaval; à sua voz, os guardas tinham formado em redor dos bancos superiores em que as altas classes se sentavam separadas do vulgo.  Constituíam uma fraca barreira. As ondas do revolto mar humano pararam por um momento como para deixar a Arbaces o tempo de calcular o instante exato da sua queda. Desesperado e possuído de um terror que abatia mesmo o seu orgulho, olhava para a desencadeada multidão, quando exatamente por cima dele, pela larga fenda que se deixara ficar no toldo, viu um fenômeno estranho, uma horrível aparição, e a sua manha restaurou-lhe a coragem. 
                Estendeu a mão por cima da sua fronte altiva e a sua real aparência tomou uma expressão de inexprimível solenidade. 
                - Vede, gritou ele com voz de Estentor  que dominou o que dominou o rugido da multidão. Vede como os deuses protegem os inocentes. Os fogos do vingador Orco irrompem conta o falso testemunho dos meus acusadores! 
                Os olhos da multidão seguiram o gesto de egípcio e viram com grande terror uma nuvem de vapor irrompendo do cume do Vesúvio, tomando a forma de um gigantesco pinheiro, com o trono negro e os ramos de fogo, um fogo que se agitava mudando a cor a cada momento, agora ferozmente luminoso, logo de um escuro e esmorecido rubro, que de novo se incendiava em intolerável brilho. 
                Fez-se um silêncio de morte, um silêncio de desânimo subitamente cortado pelo rugido do leão que foi repetido de dentro do edifício pelos outros animais. Terríficos videntes eram eles das ameaças da atmosfera e selvagens profetas da cólera dos elementos que se aproximava. 
                Nisto levantaram-se os gritos agudos das mulheres. Os homens olharam-se atônitos e mudos. Nesse momento sentiram a terra tremer debaixo dos pés, as paredes do teatro oscilaram e ao longe ouvia-se o distante desmoronar de telhados. Dali a um momento a nuvem que cobria a montanha parecia rolar para eles escura e rápida, como uma torrente atirando do seu seio uma chuva de cinzas envolta com grandes fragmentos de pedras incandescentes. Por sobre as carregadas vinhas, sobre as ruas desoladas, sobre o próprio anfiteatro, perto de longe, com inúmeros salpicos do mar, caia esta terrível chuva.  
                A multidão já não cuidava de justiça nem de Arbaces; a própria salvação era o único pensamento. Cada qual procurava correr, empurrando, atropelando, esmagando os outros; calcando os pés sem remorso os que caíam, no meio de grunhidos, palavrões, preces e súbitos gritos, a multidão despejava-se pelas numerosas passagens. Mas para onde correr? Alguns, prevendo um segundo terremoto, davam-se pressa em correr à casa para se carregaram com os seus mais preciosos objetos, para fugir enquanto ainda era tempo; outros, temendo a chuva de cinzas que agora caía a torrentes sob torrentes nas ruas, escondiam-se sob o teto da mais próxima casa ou templo ou abrigo de qualquer sorte para se protegerem dos terrores do ar livre. Mas a nuvem negra ia-se estendendo cada vez mais ampla. Era uma rápida e mais medonha noite, conquistando reino do  meio dia. 
                Surpreendido pela sua libertação, duvidando que  estava acordado, Glauco tinha sido levado pelos oficiais, da arena para uma pequena cela dentro dos muros do teatro, e ali, depois de lhe terem lançado um manto sobre o corpo, cercaram-no e congratularam-no admirados.
                As nuvens, que tinham espalhado uma tão profunda escuridão, tinham agora conglomerado em sua massa sólida e impenetrável. Pareceu menos ainda a escuridão de uma noite ao ar livre do que o fechado e cego negrume de algum quarto escuro. Mas à proporção que a escuridão se acentuava, os relâmpagos em redor do Vesúvio aumentavam de brilho. Nem a sua hórrida beleza era limitada às usuais cores  do fogo; nenhum arco-iris jamais rivalizou com a sua variada e pródiga palheta. Agora do mais lindo azul profundo de um céu do meio dia, logo de um lívido verde de serpente, depois de sinistro e intolerável rubro escapando por entre as colunas de fumo profusamente iluminando a cidade inteira de um extremo ao outro e finalmente esmorecendo de súbito em uma palidez mortuária que a todos dava o aspecto dos seus próprios fantasmas. 
                Nos intervalos das erupções ouviam- se a ebulição debaixo da terra e as rugidoras ondas do mar torturado, e o ouvido atento em interessado receio percebia até o sibilar dos gazes escapando pelas fendas da montanha. Às vezes a nuvem parecia abandonar a sua forma assumindo pela chama que relampagueava através dela as formas mais extraordinárias de entre humanos ou monstros, correndo na obscuridade, precipitando-se uns sobre os outros e esvaindo-se molemente no turbulento abismo da sombra, de modo que os olhos e para a fantasia dos atemorizados espectadores os empolgáveis vapores pareciam os corpos de gigantescos inimigos, agentes do terror e da morte. 
                 As cinzas em muitos pontos já chegavam à altura dos joelhos e a chuva de corpos em ebulição penetrava até o interior das casas levando com elas fortes e sufocantes vapores. Em alguns lugares, imensos fragmentos de rocha caindo sobre os telhados, arremessavam às ruas massas de confusa ruína que de hora em hora iam obstruindo a passagem, e à medida que o dia ia correndo, os tremores da terra iam-se tornando mais sensíveis, o pé parecia deslizar e escorregar, e os carros não se mantinham imóveis nem nas mais planas partes do solo. 
                 Algumas vezes as maiores pedras chocavam-se umas com as outras ao cair e rompiam inúmeros fragmentos emitindo centelhas que iam comunicando o fogo aos corpos combustíveis na proximidade, e a escuridão  era agora terrivelmente contrabalanceada na cidade e nos campos pelo clarão dos incêndios,  pois várias casas e vinhas estavam em chamas; de intervalos em intervalos surgiam as labaredas destacando-se sobre o fundo da escuridão. Acrescida este efeito o fato de os cidadãos procurarem diminuir a escuridão colocando tochas aqui e além, nos lugares mais públicos, tais como os pórticos dos templos e as entradas do foro. Mas elas em raros casos continuavam a queimar por muito tempo; as cinzas e o vento apagavam-nas, e a súbita escuridão que sucedia à sua vacilante luz tinha alguma coisa de duplamente terrível e tétrico pela ineficácia da ação humana e lição do desespero. 
                 Muitas vezes os grupos de fugitivos encontravam-se à luz momentânea dessas tochas, algumas correndo para o mar, outros fugindo do mar para a terra, pois o oceano tinha-se retirado da praia; uma profunda escuridão a cobria, e sobre as agitadas e roncantes vagas, a tempestade de cinzas e rochas caía sem a proteção que nas ruas davam às casas e os telhados. Selvagens, ferozes, possuídos de sobrenaturais temores, esses grupos encontravam-se, sem tempo para falarem, consultarem-se, aconselharem-se, pois as cinzas caíam agora em abundância, embora não continuadamente, apagando as luzes que mostravam a cada um as faces mortais dos outros, todos pressurosos de se recolherem ao mais próximo abrigo. Todos os laços da civilização estavam rotos. De quando em quando, à luz incerta das tochas, viam-se os ladrões ao lado das mais solenes autoridades da lei carregados ostensivamente  com o produto dos seus roubos de que faziam alarde. Se na escuridão a mulher era separada do marido ou os pais dos filhos, não havia esperança de nunca mais se tornarem a encontrar. Todos corriam às cegas na maior confusão. De todo o variado e complicado maquinismo da vida social, nada subsistia já, salvo a lei primordial de defesa própria.
                  Foi através desta terrível cena que o ateniense teve que achar o seu caminho acompanhado por Ione. De repente uma turba de centenares pessoas passou por eles correndo para o mar. 
                 - Não posso  mais andar, murmurou Ione, os meus pés enterraram-se nas cinzas ardentes. Foge, querido, deixa-me à minha sorte!
                 - Cala-te, a morte comigo é mais doce que a vida sem ti. Mas para onde, para onde nos havemos de dirigir nesta escuridão? 
                 Avançando às apalpadelas como fugitivos de um carcere, Ione e seu noivo continuaram a incerta caminhada. Aproveitavam os momentos em que os clarões vulcânicos alumiavam as ruas para se orientarem e guiarem os seus passos por aquela terrível luz, mas pouca animadora era a vista que se lhes apresentava. Nos lugares em que as cinzas estavam secas e ainda não misturadas com as torrentes de lava fervente que corriam da montanha, a intervalos caprichosos, a superfície da terra apresentava uma brancura leprosa e cadavérica. Em outras partes a cinza e rochas achavam-se acumuladas em montões, debaixo dos quais saiam pernas de algum fugitivo. Os gemidos dos moribundos eram entremeados com gritos de mulheres tomadas de terror, agora perto, logo distantes, que ouvidos na escuridão tornavam-se ainda mais espantosos pela esmagadora certeza de que não havia socorro e a incerteza dos perigos que a todos cercavam; e claros e distintos através de tudo predominavam os poderosos variados ruídos  da fatal montanha, os seus terríveis vendavais, os seus turbilhões e de tempos em tempos o arrebentar e o estampido de alguma explosão mais violenta e espantosa. E sempre as rajadas que passavam sibilando pelas ruas, levavam torrentes de poeira ardente e vapores tão estonteadores e mortíferos que cortavam a respiração e faziam perder os sentidos, após o que ficava uma sensação de agonia que parecia apoderar-se de todas as fibras e nervos do corpo. 
                 - Ó Glauco, Glauco, meu querido, toma-me nos teus braços; quero sentir os teus braços em torno de mim e nesse abraço morrer. Não posso mais. 
                 - Coragem, ainda um pouco de coragem, Ione, a minha vida é a tua; vê, ali vem tochas! por aqui, como elas resistem ao vento! ah como resistem à tempestade, são sem duvida fugitivos que procuram o mar, vamos juntar-nos a eles. 
                 Como para ajudar e reanimar os amantes, o vento cessou um momento, as cinzas já não caíam, a atmosfera ficou profundamente calma, a montanha parecia em repouso, reunindo talvez nova fúria para a próxima explosão; os portadores da tochas avançavam rapidamente. 
                  -  Estamos nos aproximando do  mar - disse com voz calma a pessoa que ia à frente. Liberdade e riqueza para os escravos que sobreviverem a este desastre. Coragem! Fiquem sabendo que os deuses mesmo me garantem a salvação. Para frente!
                  Rubras e firmes, as tochas resplandecem aos olhos de Glauco e Ione, que se apoiava trêmula contra o seu peito. Vários escravos levavam cestos e cofres pesadamente carregados; diante deles, com a espada desembainhada, dominava a grande estatura de Albaces. 
                 - Por meus antepassados! exclamou o egípcio, a sorte sorri-me, mesmo em meio destes horrores, e os temerosos aspectos da desgraça e da morte, trazem-me felicidade e amor.  Fora grego, reclamo a minha pupila Ione! 
                - Traidor e assassino! - exclamou Glauco encarando o seu inimigo. - Nêmesis guiou os teus passos para a minha vingança, justo sacrifício às sombras de Hades que agora parecem desencadeadas sobre a terra. Aproxima-te, toca sequer a mão de Ione e a tua arma não será mais que um junco; eu te despedaçarei, dilacerar-te-ei costela a costela!
                 Repentinamente, um intenso clarão iluminou a cena. Brilhante e gigantesca através da escuridão  que a cercava como as muralhas do inferno, a montanha resplandeceu como uma pilha de fogo. O seu vértice parecia dividido em dois, ou antes acima dele pareciam erguer-se dois monstros, frente a frente, como dois demônios lutando por um minuto. Era de cor uniforme rubro como o sangue ou o fogo, e iluminavam toda a atmosfera até à maior distância; mas em baixo, a parte inferior da montanha, estava ainda escura e  abrigada, exceto em três lugares pelos quais corriam serpentinos e irregulares fios de lava fundida. Vermelhos, escuros, através da profunda escuridão das suas margens, escorriam lentamente para a condenada cidade. Por cima da elevação mais larga parecia surgir um arco, do qual como das faces do inferno, irrompiam as fontes do súbito Flegetonte.  E através do ar calmo ouvia-se o ruído de rochas rolando umas por cima das outras ao serem arrastadas pela feroz catarata. Escurecia po um instante o ponto em que caíam, e confundia-me logo nas luzentes cores da corrente em que flutuavam. 
                 Os escravos deram altos gritos e agachando-se escondiam a cara. Mesmo o egípcio ficou imóvel no ponto em que se achava como pregado ao solo com o clarão que lhe iluminava os trajes recamados de pedrarias.  por trás dele erguia-se a coluna que suportava a estátua de Augusto; e a imagem imperial parecia mudada em forma de fogo! 
                 Com o braço esquerdo em torno da cintura de Ione, com o braço direito levantado ameaçadoramente e segurando o estilete que devia ter sido a sua arma na arena e que ele ainda felizmente trazia consigo, o sobreolho carregado, a coleira pintada como por encanto na sua fisionomia,  Glauco defrontou o egípcio. 
                Arbaces desviou o olhar da montanha e encarou Glauco. Passou um momento. 
                Porque havia de hesitar? Não predisseram as estrelas a única crise do eminente perigo a que estava exposto, e não passara já esse perigo? 
                - A alma, exclamou ele, pode afrontar o desmoronamento dos mundos e a cólera de imagináveis deuses. Com esta alma eu hei de vencer por fim. Para a frente, escravos. Ateniense, se me resites  o teu sangue recairá sobre a tua própria cabeça. Assim eu reconquisto Ione!
                Deu um passo para frente. Foi o último da terra. O solo tremeu com tal violência que deitou abaixo tudo quanto estava à sua superfície. Um ruído de desmoronamentos percorreu toda a cidade indo ao chão muitos tetos e pilares, o relâmpago, com se tivesse sendo atraído pelo metal, planou um instante em cima da estátua imperial e depois despedaço o bronze e a coluna. Caíram com um ruído que se repercutiu pelas ruas,  despedaçando o solto  pavimento com o qual se chocaram. Estava cumprida a profecia das estrelas. 
                 O ruído e o choque deixaram o ateniense aturdido por alguns momentos. Quando tornou a si, a luz ainda iluminava a cena, a terra ainda escorregava a tremia. Ione, sem sentidos, estava estendida no solo, mas ele não a viu logo, os seus olhos estavam fixados numa face cadavérica que parecia surgir sem trono nem pernas dos pesados fragmentos da desmoronada coluna, em face de indizível dor, agonia e desespero. Os olhos abriam-se e fechavam-se como se os sentidos ainda não a tivessem abandonado, os lábios tremiam e r-se, depois súbita imobilidade e escuridão se apoderou daqueles traços que ainda assim retinham uma expressão de horror que nunca mais se poderia esquecer. 
                 Assim pereceu o sábio mágico, o grande Arbaces, o Hermes do cinto ardente, o último descendente da realeza egípcia. 
                 Glauco voltou-se cheio de gratidão, mas aterrorizado, tomou Ione mais uma vez nos braços e correu pela rua fora, aproveitando o clarão que ainda a iluminava vivamente.  Mas de repente a sombra veio. Olhou instintivamente para a montanha. Uma das duas gigantescas cristas em que o cume se tinha dividido oscilava para um lado e outro; e subitamente, com um estampido, cuja magnitude nenhuma língua humana pode exprimir, despegou-se da sua base ardente e despenhou-se numa avalanche de fogo pelas encostas da montanha.  No mesmo instante a cratera vomitou uma nuvem do mais negro fumo, que se desenrolou por cima da terra e do mar. 
                 Umas apos outras, as catadupas de cinzas muito mais profusas que antes, espalhavam nova desolação pelas ruas . A escuridão mais uma vez os envolvia em um véu impenetrável. A coragem indomável de Glauco afinal fraquejou, e, desesperado, o ateniense deixou-se cair ao abrigo duma arcada, e apertando Ione contra o coração, noivado num leito de ruínas, resignou-se a morrer. 
                 A súbita iluminação, as erupções, as inundações de lava e o tremor de terra que já descrevemos, deram-se quando Salústes e o seus amigos tinham entrado no caminho que ia direto da cidade ao porto, e ali foram detidos por uma imensa multidão, mais de metade da população da cidade. Espalharam-se pelo campo, fora dos muros, milhares e milhares, não sabendo para onde fugir. O mar tinha-se retirado para longe da praia, e os que haviam fugido para ali ficaram tão aterrorizados pela agitação e insólito retraimento das águas, pelas extraordinárias formas marinhas que as ondas tinham deixado na areia ao retirar-se, e pelo ruído que as grandes pedras que a montanha vomitava faziam caindo na água, que voltaram para a terra, considerando o espetáculo que ela oferecia menos horroroso. Assim, as duas correntes de seres humanos, uma em direção ao mar e outra vinda do mar, encontraram-se achando uma triste consolação ao ver que o mal era de tantos, mas perplexos, desesperados, em dúvida. 
                  O mundo tem de ser destruído pelo fogo, disse um ancião de longa túnica, um filósofo da escola estoica. A sabedoria estoica e epicuriana estão de acordo quanto a esta produção; é chegada a hora!
                  - Sim, é chegada a hora! exclamou uma voz solene, mas não medrosa. 
                  Os circunstantes voltaram-se aterrados. A voz vinha de cima. Era Olinto que, cercado pelos seus irmãos cristãos, se erguia sobre uma eminência abrupta onde os antigos colonos gregos tinham levantado um templo a Apolo, agora gasto pela intempéries e quase em ruínas. 
                   Como ele falou, apareceu aquele clarão súbito que precedeu a morte de Arbaces dominando a poderosa multidão, humilhada, extenuada, ofegante. Nunca na terra tinham faces humanas parecido mais aterradas, nunca uma reunião de entes mortais tinha sido tão profundamente compenetrada do horror e  a sublimidade do medo. Nunca até que se ouça a trombeta do juízo final se há de ver reunião semelhante. E dominando-os, a figura de Olinto com o braço estendido e com a testa cingida pelos fogos vivos. 
                  E a multidão conhecia a face daquele a quem tinha condenado a ser devorado pelas feras, então sua vítima, agora seu conselheiro; e no silêncio de novo surgiu a sua voz: 
                  - É chegada a hora! 
                 Os cristãos repetiam o grito, que era repercutido de um lado ao outro; mulheres e homens, crianças e velhos, num murmúrio grave diziam: 
                 É chegada a hora!
                 Neste momento, um bramido selvagem rasgou o ar , e o terrível tigre do deserto saltou no meio da multidão e atravessou as suas diversas correntes. E logo viu o terremoto e a escuridão mais uma vez cobriu a terra. 
                 Agora chegava novos fugitivos. Sobraçando tesouros que já não eram destinados ao seu senhor, os escravos de Arbaces reuniam-se à multidão. Só uma das suas tochas ainda ardia.
                 Depois de muitas pausas e incrível perseverança, ganharam o mar e reuniram-se a um grupo que, mais audaz que os outros, resolveu arriscar-se a qualquer perigo de preferência a morrer ali.  Fizeram-se ao largo na escuridão, e como se afastassem da terra viram o novo aspecto da montanha, e os rios de fogo líquido espalhando uma vermelhidão parcial sobre as ondas. 
                 Completamente exausta, Ione dormia sobre o peito de Glauco. Durante esse tempo as catadupas de cinzas e poeira, que ainda estavam em suspensão, caíam no mar e espalhavam-se no barco. Lá para longe, levadas pelo vento, estas catadupas tombaram em climas remotíssimos, admirando até o tisnado africano, e disseminando-se pela Síria e o Egito. 
                 E brandamente, molemente, lindamente, surgiu enfim a luz sobre o movediço abismo. Os ventos iam amansando, a espuma desaparecia do brilhante azul do mar. Do lado do nascente, ligeiras névoas tomavam gradualmente as róseas cores que anunciam a madrugada. A luz estava em vésperas de conquistar o seu reino. Entretanto ainda, escura e maciça, lá ao longe subsistia em fragmentos a nuvem destruidora, donde rubras listas traíam fogos que ainda rolavam da montanha, nos campos abrasados. Os muros claros e as colunas que adornavam as aprazíveis encostas já não existiam. Ásperas e tristes eram agora as terras em que se erguiam Herculano e Pompéia.  As queridas das ondas haviam sido arrancadas aos seus beijos. Século após século, a poderosa vaga criadora estenderá em vão os seus braços azuis, gemendo em torno dos sepulcros das cidades perdidas. 


BIOGRAFIA 
                 Eduardo Jorge Earle Lytton Bulwer Lytton,  Lorde Lytton, escritor inglês, dramaturgo e poeta, nasceu em Londres a 25 de Maio de 1803. Graduou-se em Trinity College, de Cambridge; foi membro do Parlamento durante muitos anos, Secretário das Colônias em 1858 - 1859, redator do New Monthly Magazine de 1831 a 1833. Foi eleito reitor da Universidade de Giasgow em 1856; e faleceu a 18 de janeiro de 1873. Entre os seus romancescontam-se, além de muitos outros: Pelham, Paul Clifford, Eugene Aram, The Last Days of Pompei (Os últimos dias de Pompéia), Rienzi, Ernest Maltravers, Alice, Or the Mysteries, Zanoni, The Caxtons, My Novel ( O meu romance), Kenelm Chillingly, The Coming Race (A Raça Vindoura), e o incompleto Pausanias the Spatan; Entre as suas peças teatrais, as mais apreciadas são: Richelieu, Money (O dinheiro), The Lady of Lyons; entre os poemas: The New Timon (O Novo Timon) de gênero satírico, e as traduções das Balladas de Schiller. 
Nicéas Romeo Zanchett 

               
                

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