quinta-feira, 2 de novembro de 2017

O DIA EM QUE POMPÉIA DESAPARECEU




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ÚLTIMO DIA DE UMA FAMÍLIA 

               O céu estava azul e sem nenhuma nuvem; o sol muito quente resplandecia, clareando as aldeias e as vivendas, brilhando sobre Pompéia. Era manhã do dia 24 de agosto de 79.
                 Em Pompéia, na vivenda de Diomedes, onde se fazia o comércio de vinho, perto da via dos Sepulcros, cada um cuidava de sua ocupação. A dona de casa encontrava-se no jardim, em companhia do filho. Era alta e bela. Vestia elegantemente, usava no pescoço um pesado colar de ouro e os pulsos estavam repletos de braceletes. Ela gostava daquele lugar cercado, íntimo, recolhido, protegido dos ventos e da curiosidade dos vizinhos. Ali mandara plantar com simetria plantas e flores, entre as quais predominavam violetas e lírios. Minúsculas aleias e ornamentos de mármore se viam através de arbustos, próximos uns dos outros e dispostos em igual distância; outros ornamentos de mármore estavam colocados sobre o pórtico, que era sustentado por uma série de colunas. No centro do jardim, uma pequena fonte com um chafariz proporcionava um pouco de frescor. 
               A dona da casa estava nervosa. Há quatro dias, ouviam-se estrondos para os lados do Vesúvio, registravam-se tremores de terra. Ela soubera que nas vivendas situadas nas encostas próximas ao vulcão muitas paredes racharam, objetos haviam tombado e poços haviam secado. O mar, habitualmente tão calmo, achava-se agitado e onda violentas varriam as praias. A dona da casa notara que os pássaros emudeciam, pássaros que normalmente enchiam-lhe o jardim de cantos; as aves voavam em pânico. Seus dois cães latiam sem motivo. 
            No entanto, naquela manhã de 24 de agosto de 79 tudo estava calmo. 
                Subitamente, duas horas antes do meio-dia, um grande abalo sacudiu o chão e, vinda do Vesúvio, ouviu-se uma formidável detonação. As crianças precipitaram-se sobre a mãe, gritando e agarrando-se a ela. Malgrado seu próprio terror, a mulher procurou acalmá-las e arrastou-as na direção da casa. 
            Foi então que, levantando os olhos, viu estupefata que o cume do Vesúvio havia se partido em dois. Sucedendo aos fragores das explosões, uma coluna de fumaça subiu aos céus e desapareceu, substituída por um imenso cogumelo de fumo negro. 
                 Junto com o filho e a filha, a mulher de Diomedes entrou na casa. Os escravos corriam para todos os lados. Um deles aproximou-se, tendo nos braços o filho mais novo de sua ama, um menino de oito meses, que ela pegou e apertou com ternura contra o peito. 
             Detonações ensurdecedoras ribombavam. 
             Começaram a chover torrões de terra, pedras, escória, lapíli (pequenos blocos de projeções vulcânicas), poeira vulcânica, de maneira tão abundante que o sol escurecia cada vez mais. A noite caiu em pleno dia, riscada de lívidos relâmpagos. 
           Desta vez não havia dúvida: os deuses do Olimpo desciam sobre a terra para banir os homens. Eles iam fazer o universo sossobrar ao caos. 
                Para onde fugir, aonde ir, quando tudo se transformava em escombros, quando o sol desaparecia do céu e a Terra era sublevada num tumulto de apocalipse? A chuva de escórias e de lapíli enterrava tudo. 
                 As mulheres e as crianças gritavam. Cada qual clamava mais próximos, alguns suplicavam aos deuses. Somente o senhor da vivenda conservava o sangue-frio. Dava ordens: que todos se refugiassem no criptopórtico! 
            A casa, além do peristilo, possuía uma grande passagem abobadada, a que se tinha acesso por uma escada, e que deixava passar a luz do dia através de estreitas janelas que davam para o jardim. Neste criptopórtico, conservam-se as ânforas de vinho, cuja base pontiaguda era enfiada no chão. As abóbadas, aos olhos do proprietário deviam ser suficientemente sólidos para garantir a segurança da gente da casa. Foi para lá que ele levou a família e os criados que encontrou. Depois, fez levar ao abrigo pão, frutas, água e outras provisões. Ele próprio enfiou dentro de um saco de pano grosso 10 peças de ouro e 88 moedas de prata com a efígie de Nero, de Vespasiano e de Vitélio. 
            Os lapíli, lá fora, acumulavam-se. As pedras pulverulentas penetravam por toda a parte. Vez por outra, blocos de seis a dez quilos caíam sobre a cidade com um baque surdo. Sob o choque, alguns telhados ruíram. 
             A chuva, misturada às cinzas, começou a cair.
             O dono da casa, com uma chave na mão, dirigiu-se então para a porta de saída. Um escravo, homem de confiança, carregado de prataria, acompanhou-o. Entendiam eles assegurar-se de que do lado do mar a fuga era possível, antes voltaram para buscar os demais ocupantes do criptopórtico. A morte os esperava na soleira. O senhor e o escravo tombaram sem vida sobre a camada de cinzas e pedras, que já atingia mais de um metro; foram asfixiados pelos gazes venenosos que o vento espalhava. 
               Por sobre o Vesúvio, retorciam-se as labaredas que a cratera do vulcão deixava escapar. Por um momento, a noite opaca e úmida, saturada de enxofre, foi iluminada. Espetáculo infernal!
            No criptopórtico, suplicavam aos deuses, mas os deuses mantinham-se surdos. As cinzas penetravam rapidamente pelas aberturas, ao mesmo tempo que as emanações deletérias, tanto mais nocivas porque a ventilação era nula. As 18 pessoas que se amontoavam no criptopórtico iriam morrer, tentando lutar contra a asfixia, após terem tapado o nariz e a boca. A jovem filha procurou proteger a cabeça com a túnica de precioso linho, que levantou sem se preocupar ao se mostrar nua até a cintura. A morte surpreendeu-a nesta postura. Não longe dela, duas jovens escravas abraçam-se cerrando os peitos. Assim pereceram, coladas uma à outra. A senhora da casa morreu apertando contra os seios o filhinho de colo, com o mais velho ao lado, segurando-lhe a barra da túnica. No alto da escada, a cabra, tendo ao pescoço um sinete, jazia a poucos metros dos dois cães que, acorrentados, não puderam fugir. 
              A morte assolava a cidade. 
             O tempo passava. A camada de lapíli já atingia os telhados. As ruas e vielas estavam cheias de matéria vulcânica, à qual se juntava a cinza úmida. Três horas após o meio-dia, o sepultamento de Pompéia era total. Toda espécie de vida havia desaparecido. Emergido daquele oceano de desolação e das escórias, restavam apenas alguns panos de muros. Partes do Fórum ainda de pé, com mais de cinco metros de altura, também resistiam ´- últimos vestígios de uma cidade feliz e florescente. 


O TESTEMUNHO OCULAR 

                No primeiro século de nossa era, como ainda não existia cinema nem televisão, nenhuma câmara registrou o terrível cataclismo. Entretanto, havia um repórter no local: Plínio, o Jovem, então com 18 anos de idade. Testemunha ocular, ele relatou a tragédia em duas cartas endereçadas a seu amigo, o historiador Tácito. Este, desejoso de retratar a história da grande catástrofe, havia pedido o testemunho do amigo. 
                 Notemos, entretanto, que o escritor não fora a Pompéia em pessoa. Plínio, o Jovem, e seu tio Plínio, o Velho, o grande naturalista, estavam em Miseno, em agosto de 79. Sabemos que o cabo Miseno fecha o golfo de Nápoles a noroeste, a cerca de 40 quilômetros de Pompéia. Augusto estabelecera ali a base da frota encarregada por Roma de policiar o Mediterrâneo. Consequentemente, os dois Plínios não puderam assistir às duas primeiras fases  da erupção: primeira fase, às 10 horas, o lançamento da camada de lava; segunda fase, às 10,15 com a poeira fina espalhada pelo vento e os gases tóxicos. Somente às 13 horas é que eles foram alertados, isto é, no momento da terceira fase. De Miseno, Plínio, o Velho, na ocasião comandante-em-chefe da frota de Miseno (paraefectus classis Misenensis), observou, saindo do Vesúvio, uma nuvem em forma de pinheiro, no interior da qual encontravam-sea cinza e a terra que completaram o enterramento de Pompéia. 
                  Entretanto, o testemunho de Plínio, o Jovem, único, tem um valor considerável. Não podemos deixar de citar as principais passagens das duas cartas enviadas a Tácito. "Vos me pedis a descrição do fim de meu tio para poder transmiti-la com maior veracidade à posteridade: eu vos agradeço; desse modo, prevejo que sua morte, glorificada através de vossas obras, beneficiar-se-ia de uma glória mortal. Com efeito, se bem que ele tenha perecido simultaneamente com povos e cidades durante um cataclismo que se abateu sobre as mais belas regiões, este memorável acontecimento de certa maneira lhe assegura a imortalidade. E, se bem que ele próprio tenha escrito numerosas obras destinadas a permanecerem, seu futuro durará tanto mais que a elas se juntará a eternidade reservada a vossos escritos. 
                   Quanto a mim, julgo felizes os homens aos quais os deuses concederam a graça de realizar ações dignas de serem registradas por escrito ou de escreverem livros dignos de serem lidos; mas felizes entre todos aqueles que receberam esta dupla graça. Entre estes incluirei meu tio, graças aos seus livros e aos vossos. Aceito de muito bom grado e até reivindico o que vós me impondes. 
                      Ele se achava em Miseno e comandava pessoalmente a frota. No nono dia antes das calendas de setembro (24 de Agosto), por volta da sétima hora (13 horas), minha mãe lhe fez saber que surge uma nuvem de tamanho e de aspecto excepcionais; meu  tio havia tomado banho de sol, depois banho frio e, tendo feito uma refeição ligeira, trabalhava descontraído; pediu os calçados e subiu a um local de onde se podia melhor observar esse prodígio. Levanta-se uma nuvem (de longe era impossível saber-se de que montanha; depois soube-se que se tratava do Vesúvio).  Parecia exatamente um pinheiro. De fato, estirada numa espécie de tronco muito comprido, espalhava-se no ar em ramificações; creio que havia sido levada por uma corrente de ar recente e depois, ao cessar esta última, a nuvem, abandonada, ou vencida pelo próprio peso, dissolveu-se espalhando-se, ora branca, ora cinzenta e malhada, conforme estivesse carregada de terra ou de cinzas."

               "A meu tio, o fenômeno pareceu importante e digno de ser estudado mais de perto; era a atitude natural de um sábio.
               Fez armar uma galera liburniana (cruzador leve com duas fileiras de remos) e deu-me liberdade de acompanhá-lo se eu o quisesse; respondi que preferia estudar e ele mesmo indicou-me o assunto de que eu deveria tratar. Ele saia de casa quando recebeu um recado de Rectina, mulher de Cascus, assustada com o perigo que a ameaçava; de fato, sua vivenda estava localizada em nível inferior ao vulcão e ela não tinha outra fuga senão pelo mar, suplicando a meu tio que a salvasse de destino tão funesto. Meu tio mudou de ideia e o que havia começado pelo amor da ciência ele terminou com sentimento mui elevado do dever. Fez sair os quadrirremes, ele próprio embarcou, decidido não somente a socorrer Rictina, mas também outras pessoas (na realidade, os encantos do litoral atraíam muita gente). Apressou-se rumo ao local de onde outros fugiam e manteve o remo de sua embarcação alinhado na direção do perigo, tão isento do medo que todas as fazes desta catástrofe, todos os seus aspectos, contanto que os tivesse visto, meu tio os ditava ou os escrevia ele mesmo."

                  "As cinzas já começavam a cair sobre o navio; à medida que seus ocupantes se aproximavam, as cinzas tornavam -se mais quentes e densas; viam-se já as pedras-pomes, seixos pretos queimados, expelidos pelo fogo; um baixio acabara de surgir e as rochas desabadas interditavam as margens. Ele hesitou por um momento; recuaria ele? A seu piloto, que a isto lhe aconselhava, disse ele: ' A fortuna favorece a coragem; tome o rumo da habitação de Pomponianus.' Este último estava em Stabia, separada de sua moradia pela metade do golfo (naquele local, o litoral tem forma redonda, em suave curva, que o mar penetra).  Naquele lugar, embora o perigo ainda não se tivesse dele aproximado, apesar de ser visível e de que , aumentado de extensidade, chegava cada vez mais perto. Pomponianus havia ordenado carregar os navios com sua bagagem, decidido a fugir assim que o vento virasse; este vento muito favorável empurrava meu tio, que beijou o amigo trêmulo, consolou-o, encorajou-o. E, para que sua firmeza atenuasse-lhe os temores, desceu para banhar-se; uma vez limpo, pôs-se à mesa comeu com prazer ou, o que era igualmente magnânimo, afetou prazer. "
                    "Durante esse tempo, o Vesúvio brilhava em vários lugares com chamas imensas e altas colunas de fogo de cores vivas. A claridade era acentuada pelas trevas da noite. meu tio, entretanto, para acalmar o temos, repetia que eram fogueiras deixadas acesas por camponeses apressados ou vilas abandonadas que se incendiavam. Nesse momento ele se entregou ao repouso e dormiu um sono autêntico. Sua respiração, profunda e sonora devido à sua corpulência, era ouvida pelos que passavam pela porta do quarto. Mas o pátio, por onde se tinha acesso aos seus aposentos, já estava cheio de cinzas e de pedras-pomes, elevando o nível do chão a tal ponto que, se meu tio tivesse ficado mais tempo no quarto, não teria podido sair. Acordado, levantou-se e foi ao encontro de Pomponianus e dos outros, que haviam ficado acordados a noite toda. Todos deliberaram de comum acordo: ficar dentro da casa ou sair? 
                 As casa vacilavam depois de frequentes e graves tremores de terra; abaladas em seus alicerces, pareciam balançar de um lado para o outro. Ao ar livre, por outro lado, temia-se a queda de pedras-pomes, embora fossem leves e porosas. Foi a isto que todos preferiram depois de compararem os perigos. Quanto a meu tio, a proposta mais razoável venceu; quanto aos outros, venceu o medo maior. Colocando travesseiros sobre a cabeça, amarraram-nos com fronhas e lençóis; isto servia de proteção contra tudo que caía do alto."

                      "O dia já estava claro em todas as partes, mas aqui era a noite mais tenebrosa, mais negra que todas as outras noites. No entanto, numerosas vermelhidões e luzes variadas suavizavam-na. Foi decidido ir-se até à praia e ver de perto se era possível sair navegando. O mar continuava agitado e adverso. Repousando sobre um lençol, várias vezes meu tio pediu água e bebeu. Depois as labaredas e o odor do enxofre que as anunciava afugentavam seus companheiros e o acomodaram. Apoiando-se em seus dois jovens escravos, levantou-se e logo caiu. Suponho que a fumaça muito grossa obstruiu-lhe a respiração e fechou-lhe a laringe que, por natureza, ele tinha estreita e frequentemente oprimida. Quando nasceu o dia (era o terceiro desde o último que ele vira), seu corpo foi encontrado intacto, em perfeito estado e coberto com as vestimentas que havia posto ao partir. Sua atitude assemelhava-se mais à de um homem que repousa do que à de um morto. 
                Durante esse tempo, em Miseno, minha mãe e eu... Mas isto nada tem a ver com o caso e vós não quisestes saber outra coisa que não a morte de meu tio. Portanto, vou terminar. Acrescentarei apenas que vos contei tudo a que assisti e que me foi relatado imediatamente, quando os relatos são mais exatos. Vós fareis a seleção que vos aprouver. Escrever uma carta é uma coisa, outra coisa é escrever uma página de história; esrever a um amigo é coisa diferente de escrever para o público. Adeus!"

                Na segunda carta, escrita sem dúvida depois de novo pedido do historiador Tácito, Plínio, o Jovem, faz o relato dos perigos aos quais ele e sua mãe escaparam. 
                    "Vós me dizeis que a carta em que, a vossas instancias, eu vos contei a morte de meu tio levou-vos a desejar saber que tremores e mesmo que perigos eu enfrentei, eu que ele deixou em Miseno (de fato, eu havia chegado lá quando interrompi a missiva). 
                 Se bem que meu coração treme com tais lembranças, recomeçarei. 
            Após a partida do meu tio, passei todo o resto do tempo estudando (aliás, eu havia permanecido com este objetivo); logo depois tomei banho, jantei e deitei-me para um sono curto e agitado. Durante muitos dias, como sinais de advertência, registraram-se abalos telúricos menos assustadores porque já estávamos habituados a isto na Campânia. Mas naquela noite estes abalos assumiram tamanha intensidade que tudo parecia não tremer, mas girar. Minha mãe precipitou-se dentro do meu quarto onde, de minha parte, eu já estava de pé e decidido a ir acordá-la. Sentamo-nos no pátio da casa, exíguo espaço que separava a casa do mar. Hesito em falar de minha autoconfiança ou de minha imprudência (afinal, eu tinha meus 18 anos); eu implorei um livro de Tito Lívio e, como se estivesse em período de lazer, li e fiz até resumos, conforme havia começado. Chegou um amigo de meu tio, que acabava de regressar da Espanha para vê-lo. Quando me viu sentado em companhia de minha mãe, e me viu lendo, censurou minha passividade e minha indiferença com tanta veemência que eu permaneci atento à leitura. "
                "Já era a primeira hora do dia e a claridade ainda era incerta e quase doentia; o casario já se espreguiçava e, apesar de estarmos ao ar livre, a estreiteza do lugar nos fazia temer grandes e inevitáveis perigos em caso de desabamento. Foi somente então que decidimos abandonar a cidade; uma multidão seguia consternada e, em meio ao pavor, identificava-se uma espécie de sabedoria - todos preferiam a decisão alheia à sua própria; uma imensa coluna empurrava e apressava os que partiam. Uma vez ultrapassada a zona construída, deteu-nos e aí experimentamos muitos sobressaltos. Na verdade, as viaturas que haviam levado conosco, apesar de o terreno ser perfeitamente plano, eram puxadas para o sentido oposto e, mesmo escoradas por pedras, não ficavam no lugar. Além do mais, víamos o mar se afastar como se fosse repelido pelos abalos. Em todo caso, a praia havia aumentado de tamanho e, sobre a areia ressequida, viam-se muitos animais marinhos. Do outro lado, uma nuvem vermelha e assustadora, rasgada por rápidos e cintilantes ziguezagues de uma língua de fogo, entreabriu-se formando longas chamas, semelhantes a relâmpagos, porém maiores. 
                     Foi então que o mesmo amigo de Espanha fez-se mais enérgico e mais insistente. 'Se vosso tio está vivo - disse ele - ele quer que sejais salvos; se ele pereceu, ele quis que vós lhe sobrevivêsseis. Por que então tardam a fugir?' Respondemos-lhe que não podíamos nos preocupar com nossa salvação quando nada sabíamos sobre a dele. Sem mais tardar, deixou-nos e, correndo desenfreadamente, escapou ao perigo. Pouco depois, a nuvem desceu sobre a terra e cobriu o mar; envolveu Cápri e tirou-a da visão, ocultando agora o promontório de Miseno. Foi então a vez de minha mãe rogar-me, exortar-me, ordenar-me a fugir por todos os meios; isto era-me possível, a mim que era jovem. Quanto a ela, alquebrada pela idade e pela obesidade, morreria contente, se não fosse a causa de minha morte. Eu então lhe respondi que só me salvaria junto com ela. Peguei-lhe então a mão e obriguei-a a apertar os passos. Ela obedeceu a contragosto e acusou-se de me retardar. "

A jornada continuava em meio a gritos e gemidos 
                  "Neste momento, precipitação de cinzas, porém espalhadas. Viro-me; uma névoa negra e grossa ameaçava-nos por trás e seguia-nos, como uma torrente que se espalha sobre o solo. 'Tomemos um atalho, enquanto podemos enxergar' - disse eu, com receio de sermos jogados ao chão na entrada e de sermos esmagados nas trevas pela multidão dos que fugiam conosco. Mal nos sentamos, eis que cai a noite, não uma noite nublada e sem lua, mas uma noite que se passa num lugar fechado, com todas as luzes apagadas. Ouviam-se os gemidos das mulheres, o choro dos bebês, os gritos dos homens; alguns chamavam o pai ou a mãe pelos nomes, tentando localizá-los, outras chamavam pelos esposos, outros pelos filhos. Alguns lamentavam a própria adversidade, outros lamentavam a desgraça dos que lhes eram próximos; havia gente que, temendo a morte, invocava a morte, muitos estendiam os braços para os deuses, mas mais de uma pessoa explicou que em nenhuma parte havia mais deuses, que aquela noite eterna era a última do mundo. 
             Não faltava quem aumentasse os perigos reais mediante terrores fingidos e mentirosos. Chegavam pessoas anunciando que em Miseno tal edifício desabara, que aquele outro se incendiara; era falso, mas havia quem acreditasse. 
               Uma fraca claridade reapareceu. Uma claridade que nos parecia não a luz do dia, mas indício da aproximação do fogo. Pelo menos o fogo não avançava muito; novamente as trevas, novamente as cinzas abundantes e pesadas. De vez em quando levantávamo-nos para sacudir-las, senão elas nos cobririam ou mesmo nos esmagariam com seu peso. Eu poderia me vangloriar de não ter deixado escapar um gemido, uma palavra pouco corajosa em meio a tão grandes perigos, se o pensamento de que eu perecia com tudo e de que tudo perecia comigo não me tivesse trazido um consolo amargo, certamente, mas apreciável. "

                "Por fim o nevoeiro negro atenuou-se e desfez-se à maneira de uma fumaça ou de uma nuvem; logo depois brilhou a verdadeira luz do dia, o sol; no entanto, estava lívido como por ocasião de um eclipse. Aos olhos ainda indecisos, tudo se oferecia sob um novo aspecto, tudo coberto por uma espessa camada de cinzas, como acontece com a neve. Regressando a Miseno, restauramos nossas forças como foi possível e passamos uma noite inquieta, divididos entre a esperança e o medo. O medo era mais forte; a terra continuava a tremer e a maioria das pessoas, com o espírito transtornado por terríveis predições, fazia mofa de suas desgraças e das dos demais. Mas, nem mesmo naquele momento, embora conhecêssemos o perigo por experiência e esperássemos sua reincidência, não tivemos intenção de partir sem ter notícias de meu tio. 
                 São estes os acontecimentos, indignos da história, que vós lereis, sem ter a intenção de envolvê-los em vossas obras; e culpareis a vós mesmos, que mos pedistes, se eles não forem dignos sequer de uma carta. Adeus!"

                  Como se vê, em nenhum momento Plínio, o Jovem, ou Plínio, o Velho, estiveram em Pompéia, nem puderam recolher informações de primeira mão sobre a agonia da cidade. O trajeto de Plínio, o Velho, é fácil de ser seguido: de Miseno, ele partiu com a frota de grandes navios para Herculano. Mas por volta das 16 horas a lama de lava , as praias sublevadas, impediram qualquer desembarque. Às 18 horas, ele desembarca em Stabia e, ao raiar o dia, 25 de agosto, morre asfixiado na praia mesmo de Stabia. 
                   Quanto a Plínio, o Jovem, permanece em Miseno durante todo o dia 24 de agosto e, no dia 25 de agosto de manhã, deixa a cidade para alcançar o campo em companhia de uma multidão angustiada. Na tarde do mesmo dia ele chega a Miseno.
                  Sabe-se hoje que a erupção começou no dia 24 de agosto, por volta das 10 horas da manhã. A primeira fase, bem como a segunda, não puderam ser observadas por Plínio, o Jovem. Quando Plínio, o Velho, se aproxima do litoral vesuviano, por volta das 16 horas, Pompéia já está soterrada há várias horas, recoberta de cinzas. A cidade de Herculano é uma torrente lodosa, onde as camadas de cinzas separam as valas que inundam a cidade, como está dito no texto de Plínio, o Jovem.  Segundo as informações transmitidas a Plínio, o Jovem, a erudição atingiu o ponto culminante na manhã do dia 25 de agosto, quando os abalos sísmicos destroem a vivenda de Pomponianus em Stabia e quando as cinzas e os lapíli caem em grande quantidade, sufocando Plínio, o Velho. A precipitação de cinzas continua nos dias 25 e 26. Somente no dia 27 é que se volta a ver a luz do sol. Em Miseno, o vento, tendo mudado de direção e empurrado a nuvem de cinzas para o golfo, deixa a cidade coberta de cinzas brancas . Características das camadas profundas da bacia magmática no fim da terceira fase, estas cinzas brancas não são encontradas em Pompéia, mas nos materiais da última corrente de lama em Herculano. 
                 Limitada assim no espaço e no tempo, a experiência vivida pelo tio e pelo sobrinho, dramática como possa parecer, rica em detalhes que nos possam ter chegado, não satisfaz a curiosidade, deixando-nos longe de assistir ao mecanismo real da erudição inicial. Abandonemos estas páginas, relatando um fato de dimensão e importância excepcionais. Pela dos materiais expelidos pelo vulcão, materiais sob os quais o arqueólogo conseguiu ressuscitar a cidade enterrada, retracemos, com A. Rittmann e Robert Etiene, o desenrolar da erupção. 

                  Se nenhum habitante de Pompéia sobreviveu para contar a atroz catástrofe, sua história está tragicamente inscrita na lava. Ao cair do alto, esta se solidificava e como que petrificava os corpos que aprisionava. Foi o arqueólogo italiano Giuseppe Fiorelli, em fevereiro de 1863, quem primeiro teve a engenhosa ideia de moldar as gravuras nas cavidades deixadas pelos corpos do pompeanos. As cinzas úmidas grudavam-se compactamente ao cadáver, penetrando em todas as cavidades do rosto, nas pregas das vestimentas. Solidificando-se em volta do corpo, conservavam a impressão deixada por este e aprisionava o esqueleto. Bastava verter na cavidade gesso líquido para que reaparecessem fielmente os traços, os gestos, a última atitude dos pompeanos, que hoje tanto nos comovem. 
                    Encontram-se nas ruínas de Pompéia mais de dois mil cadáveres de homens, de mulheres e de crianças que não conseguiram deixar a cidade e que foram esmagados sob os escombros das casas ou sob a lava solidificada. Um décimo da população! Ignora-se o número dos que pereceram nos campos, nas estradas e nos navios que tentavam alcançar o largo e que foram relançados na fornalha pela imensa ressaca produzida pelas marés. 
                 Não foi somente em Pompéia que houve tantas vítimas, mas também em todas as cidades da Campânia ao alcance da lama ardente, da lava e das pedras incandescentes. Herculano, por exemplo, a oeste do Vesúvio, no golfo. Outras cidades, no entanto, foram tão completamente arrasadas que nem mesmo sabemos onde eram localizadas. Somente seus nomes sobrevivem à catástrofe do mês de agosto de 79: Taurânia, Leucopetra... 
                Inúmeras cidades foram destruídas pelas invasões ou pelos incêndios. Nestes casos, tudo que elas continham foi dizimado. Em Pompéia, a erupção do Vesúvio foi tão súbita, tão imprevista, que o único pensamento dos seus habitantes foi escapar à morte. Os que se atrasaram para juntar e levar objetos aos quais se apegavam pagaram com a vida. Tudo se passou, portanto, como se a vida tivesse bruscamente parado por volta do meio-dia do 24 de agosto de 79. Foi tarefa dos arqueólogos encontrar e preservar as impressões que hoje surpreendem o visitante.